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  • Writer's pictureSâmara Jorge

Marina, mãe de Bruna, 6 anos: “Quando penso na adolescência de Bruna fico me perguntando: será que vai chegar o dia, em que não precisarei dizer à minha filha que tome cuidado ao sair, que procure não andar desacompanhada na rua, à noite? Embora ache isso absurdo, tenho que pensar na realidade que vivemos”.

Estela, mãe de Caio, 6 anos, passava pela sala quando seu filho, acidentalmente, levantou seu vestido com a espada que estava brincando. Ela se voltou para ele e, delicadamente, perguntou se havia percebido o que aconteceu. Ele acenou com a cabeça que sim. Então ela lhe disse: “Filho, sei que não foi de propósito, mas nunca se deve levantar a saia de uma mulher sem o consentimento dela”.

Essas duas falas aconteceram exatamente, na semana em que, na audiência, a vítima, Mari Ferrer, foi desrespeitada, assediada e culpabilizada pelo advogado de defesa do rapaz suspeito de tê-la estuprado. Já o réu foi absolvido, porque o juiz considerou não haver provas de que houve intencionalidade de estupro.

Sim, infelizmente, ainda não podemos deixar de alertar nossas filhas quanto aos cuidados e atenção que devem ter, por exemplo, ao andar sozinhas à noite, com ou sem short curto, para se protegerem, pelo simples fato de serem mulheres. Mas também, precisamos ensinar a elas que, embora tenham que tomar os devidos cuidados, a culpa NUNCA, será delas, caso sofram QUALQUER manifestação masculina que contrarie a sua vontade. Que sempre devem exigir respeito. Cobrar da sociedade que agressores sejam punidos, e não justificados.

Porém, um outro lado deve ser discutido e observado: temos que cuidar e ficar atentos à educação dos nossos meninos.

Muitas mães e pais reproduzem padrões machistas, às vezes sem perceber, na educação de seus filhos.

Quem nunca ouviu frases do tipo: “ prenda suas cabras que meu bode está solto”, ou “que delícia de comida! Já pode casar!”

Ou mães e pais que não deixam os meninos ajudar nos afazeres domésticos e pedem tudo para as meninas, alegando que é importante que elas aprendam a cuidar da casa.

Pode ser difícil perceber claramente, mas a mensagem subliminar é: meninas devem se preparar para cozinhar, cuidar da casa e que os meninos (bodes) não têm responsabilidade, caso desrespeitem uma menina (cabra).

Para que situações como essas não aconteçam é necessário que a mãe tenha a consciência do lugar em que a mulher é colocada no universo machista e do desrespeito vivido por todas nós. E que o pai seja exemplo e reafirme, através de suas atitudes, uma postura de respeito e admiração pelas meninas e mulheres que o rodeiam.

Aos meninos deve ser ensinada a parceria e o respeito às mulheres.

Como tudo em educação, não é necessário abrir uma solenidade para conversar com os filhos sobre respeito, amor, empatia ou cuidado com o outro, principalmente quando esse outro for uma menina.

Isso pode e deve acontecer dentro do contexto, nos momentos vividos, na simplicidade do dia-a-dia, como fez Estela. Basta ter olhos para ver.

Limites e regras devem ser dados com afeto. De nada adiantaria dizer, a mesma coisa que Estela falou a Caio, aos berros ou desrespeitando a criança. Se estamos ensinando respeito e cuidado com o outro devemos demonstrar o mesmo por nossos filhos.

Caio será um homem, um dia e, muito provavelmente, terá internalizado esse ensinamento. Saberá se relacionar com uma mulher, conforme sua mãe lhe ensinou, e repassará esses valores para seus filhos, que passarão para seus netos e bisnetos...

Acredito que as transformações só acontecem através de um processo de conscientização, que se multiplica através da educação, dentro de cada relação, de cada família e do nosso entorno próximo.

Mães e pais de meninos carregam a enorme responsabilidade de educar seus filhos para amar e respeitar uma mulher, e não para exercer uma relação de poder com ela.

Como diz Jung, psiquiatra suíço do início do século XX, o oposto do amor não é a raiva. É o poder. E onde há relações de poder não existe espaço para o amor.

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Educar

Educar um filho não é tarefa fácil, nada fácil...

Exige responsabilidade, amor, reflexão, limites e exemplos. Educar é formar um ser humano, um cidadão. É transmitir valores como solidariedade, respeito, lealdade, generosidade, honestidade, e justiça. É estimular na criança a capacidade de perceber, por ela mesma, o que é certo e errado, o que pode ou não pode.

Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço

Mas, para que isso aconteça é preciso coerência.

Vivemos um tempo em que os valores estão confusos. A ausência da ética, do respeito e dos limites parece ser natural, o que reforça ainda mais a necessidade de agirmos coerentemente com o que pensamos e falamos.

Todos nós já ouvimos a frase: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Eu, algumas vezes, presenciei pais dizendo isso aos seus filhos. Alguns na brincadeira, outros mais seriamente.

Onde está a coerência nessa fala? Não há!

E a coerência é fundamental!

Crianças são muito observadoras! Ouvem o que dizemos, mas, sobretudo, observam o que (e porque) fazemos. Experimentam, aprendem e apreendem o mundo à sua volta através da imitação. E seus primeiros modelos são seus pais. Aqui vale lembrar da responsabilidade que assumimos ao termos filhos. Somos, em grande parte, responsáveis por quem nossos filhos se tornarão.

Somos nós, os pais, que desenvolvemos a ética e a moral em nossos filhos, através dos valores que praticamos em nossas vidas.

E é por esse motivo, que devemos nos comprometer a olhar verdadeiramente para quem somos, o que fazemos e como agimos.

Certamente, essa atitude servirá de exemplo para que, também eles, olhem para si mesmos e para as suas atitudes, com mais responsabilidade e consciência ética.

Aliás, vamos falar um pouco sobre ética!

Ética é fazer o certo mesmo quando ninguém está vendo. Simples assim, certo?

Para muitos, infelizmente, não parece tão simples.

Por exemplo: o semáforo fica vermelho e isso significa pare. Dois carros param. Um para não levar multa e outro porque deve parar para que outros passem e porque essa é a lei.

Essa é uma situação simples, mas nos ajuda a refletir sobre o conceito de ética e sobre o que é a educação através do medo ou da consciência.

O primeiro indivíduo aprendeu através do medo, só parou no vermelho para não ser multado. O segundo, aprendeu através da consciência, não atravessou no vermelho, pois sabe que essa é a lei, respeita a vez de quem vem no cruzamento, sabe que, se atravessar quando é proibido, pode se colocar ou colocar as outras pessoas em risco.

Quem tem consciência ética, então? O segundo, que evidentemente, compreendeu o sentido do farol vermelho e assimilou valores como respeito, cuidado com o outro, a importância da espera, etc. E é esse que transmitirá a seus filhos esses valores.

Crianças não nascem prontas

Crianças nascem com características de personalidade que se revelam muito cedo, com potenciais a serem desenvolvidos e com ritmos próprios. Contudo, o ambiente familiar e as condições em que vivem interagem com essas tendências, de forma a determinar quem será o adulto que essa criança se tornará.

Daí a importância do olhar dos pais para as necessidades de cada filho.

Ao formarmos uma criança para a vida precisamos enxergá-la, reconhecer suas dificuldades, qualidades e talentos. Isso se dá através do vínculo e principalmente do olhar empático e amoroso dos pais para com seus filhos.

Como diz Mario Sergio Cortella, “não nascemos prontos”.

É verdade, crianças não nascem prontas!

E nosso papel, enquanto pais, é contribuir para a formação de seu caráter e sua personalidade. E essa é uma tarefa que exige muita dedicação, amor, paciência e persistência.

Quem já não disse a seu filho, indignado, algo como: “já disse que não pode mexer aí. Você ainda não aprendeu?” A resposta é não, não aprendeu! Educar dá trabalho! É preciso repetir a regra, explicar, dar exemplos, colocar limites.

Autoridade x autoritarismo

Pais devem agir, a um só tempo, com afeto e ter uma postura firme, exercendo sua autoridade, mas sem autoritarismo!

Ter autoridade é agir em benefício do filho, mesmo quando houver firmeza nas colocações, respeitando-o, visando o seu bem estar, sua formação e disciplina, através da relação de amor.

Ser autoritário é agir em benefício próprio, apenas mandar, sem considerar a criança ou o adolescente à sua frente, através da relação de poder.

Mas as crianças têm querer?

Sim! Criança tem querer, tem desejos e vontades, que podem ou não ser atendidos. Se a criança será ou não atendida é uma decisão dos adultos. É preciso ouvir o pedido do filho e considerar se é apropriado para a idade dele, se está pronto para ter o que quer, se é possível realizar a vontade da criança, etc. Vamos pensar em um exemplo bem cotidiano: está frio e a criança quer colocar uma roupa de verão. Devo deixar? Não! Explique a seu filho Que ele precisará sair com uma roupa quentinha para não ficar doente ou desconfortável, mas que você pode dar a ele duas opções e deixá-lo escolher uma delas. Esse é um exemplo de educação com autoridade. Você decide o que pode e dá a ele a oportunidade de fazer uma escolha. Na verdade, está ensinando a seu filho que pode fazer escolhas dentro dos limites dados por você! E por falar em limites...

Por que dar limites?

Porque limites, além de protegerem dos perigos, educar e dar uma referência do que pode ou não pode, dá segurança à criança.

São essenciais para a educação, mas sobretudo, para um desenvolvimento saudável do ser humano. Trazem aprendizado e consciência sobre o outro e a vida em família, em grupo e na sociedade. Mesmo quando ficam contrariadas, reclamando ou bravas com os pais, filhos entendem os limites como manifestações de amor, atenção e cuidado.

Devem ser dados pelos pais quando a criança ou o adolescente ainda não têm capacidade de discernir o que pode (ou não), o que deve (ou não) fazer e quando ainda não está suficientemente maduro ou pronto para lidar com as consequências de seus atos.

Crianças que têm pais que sabem dar limites aprendem a lidar com frustrações, aguentam melhor as adversidades e, certamente, terão maior prontidão para a vida, mais autoconfiança e melhores relacionamentos.

Qual a melhor maneira de dar limites aos filhos?

Os limites são diferentes a cada idade e devem acompanhar as fases de desenvolvimento de cada criança.

Precisam ser dados com afeto e firmeza para as crianças distinguirem o certo e o errado.

As regras e os combinados também são fundamentais na educação e na compreensão dos limites.

Só devemos tomar cuidado para não ser muito rígidos. Por exemplo: crianças devem ter horário para dormir, em períodos escolares, mas nas férias podem ficar acordadas até um pouco mais tarde. Mas é necessário que fique claro para a criança que essa regra só pode ser mudada nas férias, e que, durante as aulas, o horário de dormir voltará ao normal.

Entretanto, de nada adianta os pais darem um limite ou estabelecer uma regra se não fizerem valer o que disseram. É fundamental garantir que o combinado seja cumprido!

Filhos compreendem muito mais facilmente um limite dado quando os pais são coerentes - quando praticam o que dizem, pois é essa atitude que dará sentido à situação vivida.

E, sobretudo, é fundamental que sejam coerentes entre si e tomar a mesma posição frente ao filho. Jamais chamar a atenção um do outro na frente da criança ou adolescente!

Como foi dito anteriormente, os pais são exemplos para seus filhos. Sendo assim, pais que sabem lidar com seus limites e frustrações, certamente servirão de modelo para que seus filhos aceitem e aprendam a conviver com “os nãos” ditos por eles e todos os outros “nãos” que ouvirão ao longo da vida.

Consequências

Além dos limites, outro ponto essencial na educação são as consequências.

Quando a criança ou o adolescente faz algum progresso em seu desenvolvimento, tem boas iniciativas, demonstra respeito ou age com responsabilidade, é preciso reconhecer e elogiar. E recompensar afetivamente. Beijos, abraços, um carinho, ler uma estória ou um passeio juntos, são sempre bem-vindos!

E quando acontece o contrário? Desrespeito, irresponsabilidade, agressividade ou outras atitudes e comportamentos não aprovados? É preciso agir, porém, é importante evitar gritar e, principalmente, jamais agredir, desqualificar ou ofender a criança. O melhor é conversar em um tom firme com o filho, deixando claro que o que ele fez foi errado. Ajudá-lo a refletir sobre seu erro, mostrando a ele o que é o certo e esperado. E, se ainda assim, ele resistir, terá que arcar com as consequências de seu erro. É preciso ter cuidado para que a consequência seja justa e adequada para a sua idade e para a gravidade do erro cometido.

A importância do diálogo e da convivência familiar

Uma das maiores perdas que vivemos atualmente é a falta de diálogo e da convivência familiar. E, na minha opinião, esse é o ponto mais importante da educação e da formação de qualquer pessoa.

É através da experiência vivida na família, na forma como se dão as relações familiares, dos hábitos familiares, do cuidado entre os membros da família, com a casa e com os animais de estimação; da maneira como a família convive socialmente, etc, que a personalidade e o caráter de uma pessoa são forjados. Além, é claro, de tudo o que já foi dito.

É verdade que a falta de tempo, a vida corrida, o excesso de tarefas e o cansaço, muitas vezes, nos distanciam da convivência com as pessoas que mais amamos. Mas é essencial abrir em nossas vidas um espaço de diálogo, de conversa e de troca com nossos filhos. Vale lembrar que diálogo não é apenas falar. Diálogo é, sobretudo, ouvir atentamente o outro.

Pequenos hábitos saudáveis como sentar à mesa e fazer uma refeição juntos e contar como foi o dia de cada um, sem celulares ou televisões ligados; programar atividades em família, ir a um parque, ao cinema, assistir um filme em casa, ou mesmo fazer algumas tarefas domésticas com a colaboração de todos podem aproximar muito pais e filhos. Uma boa convivência cria intimidade e cumplicidade. Reforça os vínculos de amor e confiança e o interesse pelo outro. Estimula a solidariedade e a gentileza. A consequência disso é que os filhos acabem buscando os pais quando precisarem de ajuda, quando tiverem questionamentos a respeito de si mesmos ou quando quiserem contar uma novidade ou uma conquista.

E assim, quando chegar a hora de ganhar o mundo, terão construído um sólido alicerce de amor, segurança e confiança. E, se em algum momento se fragilizarem, saberão que a família estará lá para ouvi-los e apoiá-los.

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  • Writer's pictureSâmara Jorge

Recentemente, orientei a coordenadora de escola em razão de ela não saber como lidar com um aluno de seis anos de idade que estava sendo visto como homossexual e sofrendo uma imensa pressão por parte da família e dos amigos. E isso acontecia pelo simples fato do garoto não gostar de jogar futebol e de preferir brincar com as meninas. Os pais do menino pediram que a escola o proibisse de ficar com as meninas e que o obrigasse a frequentar o futebol, caso contrário, tirariam a criança da instituição, pois não queriam ter um filho homossexual. A criança estava cada vez mais oprimida, sentia-se culpada por ser como era e não ser aceita. E tinha razão em não querer estar com os meninos, que já o excluíam e o ridicularizavam por ser diferente.

Sugeri à coordenadora que tentasse trabalhar com as crianças a diversidade. Por exemplo: lembrasse que todos tinham um tipo físico próprio, gostos diferentes, tamanhos desiguais, aproveitando elementos da realidade que viviam e da experiência de cada um. A idéia era mostrar que as diferenças não faziam ninguém ser melhor ou pior do que o outro amiguinho. Isso permitiu que as crianças se manifestassem e percebessem suas diferenças, incluindo várias possibilidades. Também aconselhei que a escola estimulasse jogos e brincadeira mistas, procurando valorizar as escolhas, características e aptidões de cada aluno.

Além disso, foi feita uma palestra para pais e professores sobre o assunto, permitindo que eles também expressassem suas posições em relação ao tema. Os pais do garoto em questão foram encaminhados para um trabalho de orientação de pais.

Esse é um caso muito sério de preconceito e falta de informação. Em primeiro lugar porque a homossexualidade se caracteriza pela atração por pessoas do mesmo sexo, o que não tem nada a ver com gostar ou não de futebol ou de brincar com meninos e meninas. Em segundo lugar é muito cedo para afirmar se uma criança é homossexual ou heterossexual aos seis anos. A vivência da sexualidade em relação ao outro se manifesta no início da adolescência para homo ou heterossexuais.

O melhor caminho para lidar com esse assunto, tanto quando há algum caso na escola, quanto na prevenção do preconceito, é desenvolver a consciência. Para isso, a escola deve promover ações que visem discutir e lidar com a diversidade, incluindo e respeitando as diferenças. E isso deve incluir não apenas a sexualidade, mas cor, raça, classe social, escolhas pessoais etc.

Outra coisa que me parece ser urgente é uma revisão nas aulas de educação sexual. É claro que é fundamental passar informações sobre o funcionamento biológico, sexualidade, afetividade e cuidados a respeito de sexo seguro e gravidez, mas é essencial que seja discutida também a ideia da diversidade sexual e que ser homossexual é uma manifestação tão natural da sexualidade quanto a heterossexualidade. Essa é também uma boa oportunidade para lidar com preconceitos, estereótipos e estigmas. É importante também que os pais sejam incluídos nestas discussões. Para isso, promover encontros, palestras e debates pode ser uma boa opção.

Pais e educadores devem ter em mente que é seu dever formar uma pessoa, um cidadão. E fazemos isso desde que as crianças nascem, dando exemplos de respeito, ética, solidariedade e acolhimento. Ensinar (e aprender) é um ato diário que se dá através dos exemplos, do amor, dos limites, do acolhimento, do diálogo - e entenda-se diálogo não apenas falar, mas, sobretudo, ouvir o que todos têm a dizer. Uma boa parceria escola – pais – alunos me parece ser a melhor escolha.

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