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Writer's pictureSâmara Jorge

Updated: Aug 27, 2021

Uma visão subjetiva

Neste texto gostaria de escrever sobre algo que venho percebendo nos últimos tempos.

Não é de hoje que somos sistematicamente submetidas a um forte apelo pela valorização da estética.

Abrimos as revistas, ligamos a TV, olhamos outdoors pelas ruas e lá estão expostos corpos esquálidos como ideal de perfeição feminina, sem falar do culto à malhação - imagens que pouco refletem os padrões reais da grande maioria da população.

A cada dia proliferam academias, clínicas de estética, novos tratamentos antienvelhecimento, antiestrias, “anti-isso”, “anti-aquilo...”ufa!!!

É tanta informação e novas propostas que, se não tivermos senso crítico, somos levadas a querer experimentar tudo ou, o que é pior, sentimos nossa auto-estima despencar.

Sem dúvida, a vaidade, a estética e o culto à saúde, são muito importantes. Isso só se torna um problema quando há uma supervalorização desses aspectos.

Não é raro que esse excesso de preocupação com a beleza e a estética esteja a serviço de evitar confrontos com a realidade, ou com sentimentos de frustração, medo, angústias e inseguranças.

E essa parece ser uma questão do mundo atual. Basta olharmos para a incidência cada vez maior e mais precoce do número de casos de transtornos alimentares e depressões.

É inequívoco que essas patologias têm como causa dificuldades internas, muitas profundas, mas que também são reforçadas por valores culturais, que chamarei aqui de ditadura da beleza.

Constantemente recebo em meu consultório mulheres inseguras, com a auto-estima bastante comprometida, em geral, sozinhas, em busca de um parceiro. Não atender a esses padrões, muitas vezes compõe a lista de fatores que minam sua segurança. Não conseguem valorizar sua beleza, nem mesmo outros aspectos tão interessantes de suas personalidades!

Fico pensando o quanto a valorização desses atributos externos está tão arraigada em nossa consciência que deixamos de olhar para o que realmente importa: a essência, que se encontra dentro de cada um de nós!

Isso sem falar nos contos de fadas, que mostram como ideal do modelo feminino, princesas loiras, de cabelos lisos, magrinhas, passivas, cujo único desejo é encontrar um lindo príncipe encantado: forte, valente, protetor, bonito, etc. Quase sempre são personagens sem identidade própria, sem atitude e esvaziadas de conteúdo.

E o que dizer das bruxas más que são sempre feias...

Contudo, ouso dizer que há uma centelha de mudança brilhando em nossas consciências...

Shrek – o filme - é um exemplo disso. Trata-se de um conto de fadas moderno, que polariza com essa valorização do ideal de beleza e põe em questão o que é belo e verdadeiro em e para cada um de nós. Parece conter um novo paradigma, já que mostra a multiplicidade da natureza humana em cada personagem.

Fiona é uma princesa que carrega um segredo: sua dupla natureza. De dia é uma “linda” princesa, à noite transforma-se em um “ogro”. Foi atingida pelo feitiço de uma bruxa que disse que só encontraria sua essência quando fosse beijada por um príncipe.

Acredita, assim como todos que estão à sua volta, que sua verdadeira identidade é a de princesa. Entretanto, é salva por Shrek, um ogro que também acredita não ser o seu príncipe, pois é feio, não tem bons modos, é grosseiro e mora em um pântano.

Ocorre que ambos se apaixonam e vão descobrindo a beleza de ser quem se é de verdade.

Fiona, ora é uma princesa, ora é uma “ogra” gordinha e verde. Independentemente de sua aparência mostra-se uma mulher forte, dona do seu próprio nariz, determinada, mas que em nenhum momento perde sua feminilidade, tampouco sua beleza.

Shrek, apesar de aparentemente grotesco é doce, sensível e aprende a reconhecer e demonstrar suas inseguranças e fragilidades, entrando em contato com seus sentimentos mais profundos.

Este conto começa a partir do fim dos contos de fada tradicionais, pois é a partir do momento em que a princesa é salva que começam os problemas e se desenvolve a trama interna de cada um dos personagens.

O despertar desse amor, em um primeiro momento, deixa-os confusos, provocando um questionamento a respeito de quem são e do que sentem. Conseqüentemente, inicia-se um processo de transformação em cada um deles.

Ambos podem se olhar e se encantar com o que está além das aparências. Vivem intensos conflitos internos; não sabem se conseguirão continuar a atender as expectativas externas; não podem mais acreditar em suas idéias preconcebidas; deparam-se com seus dramas existenciais e, por várias vezes, põem em dúvida o que estão sentindo e percebendo.

Fiona descobre que não é apenas aquela princesa que acreditava ser, mas escolhe, com consciência, assumir sua verdadeira identidade.

Shrek não precisa mais se esconder no pântano e aos poucos vai deixando cair suas defesas, se envolvendo com todos aqueles que despertam seu afeto.

Ambos vivem um processo de ampliação de suas consciências e encontro com o “Si-Mesmo”, cumprindo seu processo de individuação, ou seja, encontram-se com o que há de mais verdadeiro dentro de si.

Uma característica a ser ressaltada nesse conto é a valorização dos aspectos internos em detrimento dos externos, assim como dos aspectos existenciais em detrimento da estética.

Algumas mulheres buscam viver um conto de fadas ou uma realidade imaginária e, muitas vezes, sustentam essa posição para fugir do contato inevitável com uma parte da realidade.

Mas, de verdade, como no conto, somos todas um pouco princesas e um pouco “ogras”! Isto é, todas nós temos aspectos que acreditamos não fazer parte de nossa personalidade, mas que nos refletem sim, e que devem ser vistos, aceitos, acolhidos e integrados à nossa consciência. Como disse em um de seus livros o psiquiatra suíço Carl G. Jung, “podemos encontrar verdadeiras pérolas na sombra”.

Essa é uma história que enfatiza a importância da reflexão e do contato com o universo interno como possibilidade de transformação. Não apenas do ponto de vista individual, mas da consciência coletiva, uma vez que a transformação ocorrida dentro de Shrek e Fiona desencadeia uma mudança de consciência em todos os outros personagens.

Shrek – o filme - reflete sobre o que é o belo, sobre o feminino, o masculino, o amor, a amizade, e, acima de tudo, sobre a possibilidade de se conviver com as diferenças sem julgamentos de valor.

Acredito que manifestações e produções como essa possam realmente ser o prenúncio de uma consciência de alteridade, na qual os diferentes podem conviver, coexistir, sem necessidade de exclusão dos diversos atributos da complexidade humana.

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Writer's pictureSâmara Jorge

Combatê-la ou compreendê-la?

Palavras – Chave: depressão, medicação, tristeza, fragilidade, medo, insegurança, consciência.

Hoje já é consenso que há uma prevalência de casos de depressão em mulheres. Entretanto, penso que esse é um assunto de interesse de todos.

Por esse motivo, gostaria de iniciar este texto com uma reflexão a respeito do que é depressão.

Por definição, trata-se de um conjunto de sintomas que persistem por duas semanas ou mais. Esses sintomas são:

Irritabilidade

Humor deprimido

Dificuldade de concentração

Distúrbios do sono (excesso ou falta de sono)

Distúrbios alimentares (comer muito ou ficar inapetente)

Falta de perspectiva

Vontade de chorar, muitas vezes, sem motivo aparente.

Pessimismo e desânimo

Falta de prazer

Desejo de morrer

Vale lembrar que os sintomas podem não se apresentar simultaneamente nem durante todo o tempo, ou seja, pode haver fases de intermitência. Esse é um aspecto importante a ser ressaltado, pois muitas vezes a pessoa tem uma melhora por um ou dois dias e passa a achar que está bem e, o que é pior, acaba entendendo que essa oscilação de humor faz parte de sua personalidade.

Contudo, gostaria de ampliar um pouco nossa reflexão, pois há uma questão que tem me preocupado muito atualmente:

Seguindo apenas esses critérios para avaliar se um indivíduo está deprimido ou não, será que não estamos correndo o risco de generalizar ou mesmo banalizar a dor e o sofrimento, que são sentimentos naturais da condição humana?

Penso que sim, e que devemos tomar muito cuidado com isso.

Estamos vivendo em um tempo no qual o pragmatismo e as soluções rápidas são altamente valorizados. No caso de tratamentos para depressão isso se reflete no uso quase automático de medicamentos. Isso, por um lado, nos dá uma sensação de eficiência, que muitas vezes é real, mas que por outro, nos faz esbarrar em métodos superficiais que, se olharmos mais profundamente, podem estar a serviço de nos distanciar de conflitos e sentimentos necessários de serem vividos.

O que me parece estar acontecendo é que atualmente vivemos um “culto à alegria e à felicidade”, como uma tentativa de extirpar da consciência e da vivência pessoal, sentimentos difíceis de lidar ou mesmo admitir. Então, chamamos tudo de depressão e entendemos que todos os casos devem ser medicados!

Não estou com isso querendo dizer que sou contra a medicação! Muito pelo contrário. Acredito que devemos lançar mão de todos os recursos que possuímos para lidar com o sofrimento. Acho apenas que devemos ter cuidado e respeito com a dor e as necessidades de cada pessoa.

Até porque, nem sempre um estado depressivo pode significar uma doença passível de medicação. É necessário investigar qual o momento de vida em que a pessoa se encontra, se houve alguma perda, mudança brusca, se existe alguma doença física, se já se sentiu assim em outros momentos da vida, enfim, levar em conta a sua história, o momento atual e seus recursos internos.

Não há como generalizar, já que cada um de nós é um ser único, que enxerga, ouve, sente e reage aos acontecimentos da vida de acordo com a própria subjetividade!

Existe uma diferença, que tem ficado cada vez mais sutil, entre a tristeza e a depressão.

A tristeza é um sentimento tão natural quanto a alegria, o amor, o bom e o mau humor, etc.

Não é raro receber em meu consultório, pessoas que se sentem fracas e envergonhadas por estarem “deprimidas”.

Ora, estar triste, ou mesmo deprimida não é um defeito. É um estado que, em geral, traz sentimentos de impotência e fragilidade, mas que pode se revelar muito criativo e necessário de ser vivido, se acolhido e bem tratado.

Embora pareça um detalhe, é essencial não confundir fraqueza com fragilidade. Nem sempre, ao nos sentirmos frágeis, estamos fracos. Em geral, podemos ativar forças profundas e desconhecidas nos momentos em que mais precisamos, isto é, nos momentos em que estamos mais frágeis. Só precisamos torná-las conscientes.

Do ponto de vista coletivo, acredito que temos nos distanciado muito de nossa natureza mais essencial e também, da própria natureza. Vivemos uma vida muito corrida, sem tempo para nos aproximar de nós mesmos. Estamos, na maior parte do tempo, em função das obrigações e, cada vez mais, tiramos o prazer de nossas vidas. A sobrevivência é a única meta a ser percorrida e, na vida de muitos, a perspectiva de futuro é parca. Nas grandes cidades é cada vez maior o stress, o medo da violência e do desemprego, fatores que ativam a insegurança em nosso psiquismo.

Vivemos em uma era tecnológica, globalizada, em que a individualidade e o contato humano estão cada vez mais precários, distantes e sem qualidade. Supervalorizamos os aspectos racionais, em detrimento do afeto, das sensações... Passamos por cima de nossas dores e emoções (boas ou ruins) de forma brutal.

E, como tudo na vida tende a se manifestar, todas estas coisas que guardamos ou camuflamos, encontram voz nos estados depressivos, numa tentativa de fazer com que a pessoa pare, olhe para si mesma, peça ajuda, se acolha, seja acolhida e se depare com a necessidade de mudar, de fazer novas escolhas, de dar atenção a si mesma e ao que lhe falta, de mostrar suas fragilidades, medos e inseguranças, nem que seja para o próprio espelho!

O que observo em minha prática é que se for cuidada, trabalhada e compreendida, a depressão pode vir a ser o início de uma transformação profunda de vida. Em geral, após ter vivido uma situação de crise, a maioria das pessoas sai de uma depressão - quando devidamente tratada e acompanhada por um processo de psicoterapia - muito fortalecida, consciente de seus potenciais, valorizando e vendo graça nas pequenas coisas importantes da vida. E, acima de tudo, com a certeza de que em qualquer situação pode lançar mão dos recursos internos que descobriu em si mesma. Ou ainda, se isto não bastar, que sabe onde procurar ajuda, sem precisar se envergonhar ou se culpar por não estar dando conta de lidar com uma determinada situação, em um determinado momento de sua vida.

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Writer's pictureSâmara Jorge

Reflexões e comentários

Muito se tem falado sobre a anorexia nervosa ao longo dos últimos dias. Os noticiários têm constantemente divulgado a morte de meninas, vítimas da doença.

Esse me parece um movimento interessante no sentido de despertar a consciência das pessoas para o problema. Entretanto, os transtornos alimentares já existem há muito tempo e afetam uma parte significativa da população mundial. A anorexia tem maior incidência em adolescentes do sexo feminino, entre 14 e 18 anos.

Não podemos pensar em uma causa única para seu aparecimento. Um conjunto de fatores - biológicos, hereditários, sociais e psicológicos - está na base dessa e de outras manifestações de transtornos alimentares.

Sem dúvida, a excessiva valorização da estética e o ideal de beleza feminino, associado à magreza e à juventude, têm grande responsabilidade no alto número de ocorrências dessa patologia.

Para tornar a coisa ainda mais complicada, a imagem de poder e sucesso também está fortemente relacionada à imagem da mulher magra, malhada e “em dia” com cuidados de ordem estética.

Assim, aumentam em proporção geométrica as ofertas de tratamentos estéticos, academias de ginástica, novas técnicas de cirurgia plástica e dietas que prometem verdadeiros milagres!

É certo que a vaidade não deve ser deixada de lado, tampouco ser vista como um valor pouco importante. O problema está quando essa se torna a única fonte de preocupação e interesse na vida de uma pessoa e, especialmente, quando se faz qualquer coisa para que seja atingido um ideal de beleza, geralmente completamente fora dos padrões da grande maioria da população.

Mas então, o que é a beleza, de fato? Será que o belo tem apenas um padrão estético? Existe apenas um tipo de mulher que agrada a todos?

Não creio... Acredito que a beleza seja algo subjetivo, que integra a aparência externa com outros atributos internos.

Sendo assim, me parece que quanto mais distante de sua natureza está uma pessoa, mais longe vai ficando da beleza resultante da harmonia entre traços internos e externos. E essa, independe de padrões estéticos pré-estabelecidos.

Quem já não se deparou com meninas com corpos esculturais e que se acham gordas ou feias? Que só pensam em se tornar mulheres esteticamente perfeitas e, com isso, evitam olhar para o que as faz verdadeiramente insatisfeitas?

Sim, porque o excesso de preocupação com a beleza e a estética, pode estar a serviço de esconder profundas dificuldades de fazer confrontos com a realidade, ou com sentimentos de frustração, medo, angústias e inseguranças.

Acredito que esse olhar superficial para si mesma e a valorização da imagem, especialmente com foco na imagem estética, já podem ser um sinal de alerta. Não que isso vá evoluir, necessariamente, para um quadro de anorexia. Contudo, a supervalorização dos atributos externos pode ser indicativo de baixa auto-estima e auto-aceitação e, sobretudo, da falta de consciência de qualidades e potenciais - traços importantes em pessoas portadoras de depressões e transtornos alimentares.

Encontramos um exemplo disso em mulheres que só se preocupam em passar a vida esculpindo seus rostos e corpos, com a proposta de eternizar a juventude, imaginando que, com isso estão se tornando cada vez mais belas; para isso, retiram costelas, distribuem próteses de silicone por todo o corpo e rosto, tiram qualquer ruga ou marca na pele. Ou aquelas que malham horas a fio nas academias ou, ainda, as que começam a passar fome para não engordar.

É aí que está o perigo! Essas mulheres não param para se perguntar qual é a causa de suas insatisfações. Não questionam se essas atitudes as fazem felizes ou se servem para tampar buracos cada vez mais profundos, sofridos e desconhecidos em suas vidas.

Assim, acabam por adoecer... Algumas até morrem de fome...!

Essas são as anoréxicas. E é bom que se esclareça que as vítimas de anorexia, não perdem o apetite. No início da doença, passam muita fome e sofrem muito para deixar de comer. Gradativamente vão se acostumando com essa condição e deteriorando seu organismo, até desenvolverem um quadro grave de desnutrição ou morrerem de inanição.

O mais grave é que muitas dessas mulheres que passam a desenvolver quadros de anorexia, sequer se dão conta disso. Aliás, a inconsciência da magreza e a auto-imagem distorcida são sintomas recorrentes em quase todos os casos, o que dificulta enormemente a aceitação da necessidade de um tratamento. E mais: a grande maioria das anoréxicas, não acredita ser portadora de uma doença. Acredita que essa é uma opção de vida, um estilo de vida e que todos que são favoráveis ao tratamento estão contra ela, ou não conseguem compreender sua “opção” de emagrecer.

Mas, essa é uma doença que pode, e deve ser tratada! Psicólogos, médicos e nutricionistas podem ser de grande ajuda, não apenas para a pessoa portadora de anorexia, mas para os pais e familiares, já que a participação da família é essencial para o sucesso do tratamento.

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