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IMPACTOS PISÍQUICOS NA PANDEMIA

Updated: Mar 19, 2022

Neste mês de março completamos dois anos de pandemia no Brasil.


Na enquete feita nos stories sobre temas e assuntos que gostariam de ver discutidos aqui, algumas sugestões interessantes apareceram. Uma delas foi sobre os impactos psíquicos da pandemia. Embora não existam muitos estudos e pesquisas, pensei em compartilhar com vocês um pouco da minha vivência no consultório, ao longo desse tempo.

Fiquem à vontade para comentar e dividir suas experiências conosco.

Créditos: Bea_1983 - Pinterest

A pandemia trouxe uma imensa desordem para a humanidade. De repente, o mundo transformou-se em um lugar perigoso, onde ninguém sabia praticamente nada a respeito do novo vírus e suas consequências, inclusive os profissionais da ciência e da saúde.


Mergulhamos em uma situação ameaçadora, onde o medo de contrair a COVID-19, a morte, a incerteza de quem era e onde estava esse “inimigo” permearam todos os momentos de nossas vidas.


A mudança foi repentina e brutal. Algumas pessoas se adaptaram com menos sofrimento que outras, porém, a cada dia que passava, novas questões, angústias e emoções apareciam.

Créditos: rawpixel - Pinterest

O primeiro grande impacto da pandemia foi a perda da liberdade. Vários pacientes diziam sentir que suas vidas haviam sido roubadas. Para algumas pessoas, a possibilidade de não sair, e ser obrigado a manter o isolamento social, deflagrou uma sensação de absoluta falta de controle sobre a própria vida, gerando sentimentos de pânico e angústia.


Naquele momento o desafio era colocar Vida na vida que levaríamos pelos próximos tempos, que aliás, nenhum de nós tinha a menor ideia de que tempo seria esse.


No início, estabelecer uma nova rotina, cuidar e organizar a casa, colocar pendências em dia, fazer alguns cursos, entre outras atividades, ajudaram a acalmar a sensação de falta de controle e liberdade.


Créditos: Emiliano Ponzi - Pinterest

Entretanto, não podemos dizer que houve uma única realidade, na verdade foram muitas. Por isso, gostaria de abrir um parêntese, aqui, para deixar claro que estou falando de um recorte dentro dessas diversas realidades. A parte à qual tive acesso e que pude observar.


Alguns conseguiram proteger-se melhor em suas casas, com suas famílias e atividades profissionais garantidas. Outros, infelizmente, não. O medo do desemprego e a perda concreta de suas ocupações, assim como condições inadequadas para o isolamento, cuidados com a saúde, preocupações com a subsistência de familiares, falta de acesso a hospitais e parcos recursos financeiros potencializaram muito o medo da pandemia, e deixaram muitas famílias desesperadas.


Os profissionais de saúde, principalmente, aqueles que estavam atuando na linha de frente, estavam extenuados, desesperados, em meio à imensa jornada de trabalho e tantas mortes. Sentiam-se impotentes, diante da impossibilidade de fazer o impossível. Sim, porque eles todos eles, heroicamente, sacrificaram suas família e suas próprias vidas nessa luta. O resultado disso foram os inúmeros casos de burnout, depressão e ansiedade nesses profissionais.

Créditos: Arte & Luso - Pinterest

Ao mesmo tempo, do ponto de vista coletivo, pude observar em muitas pessoas, uma preocupação social maior, um olhar mais empático e solidário, bem como, várias ações no sentido de levar algum alento para famílias em situações de desamparo e vulnerabilidade.


Outro ponto muito importante, foi o confinamento.


Por um lado, a convivência intensa, a ausência de espaços próprios e de lazer, a impossibilidade de encontrar pessoas queridas e a falta de privacidade, deflagraram muitos conflitos familiares. Muitas famílias tiveram bastante dificuldade com essa nova configuração da vida, o que levou a um padrão de relacionamento mais agressivo e, em muitos casos, a um aumento na ocorrência e na gravidade dos casos de violência doméstica.

Créditos: Washington Post - Pinterest

Um outro ponto importante para as famílias com filhos pequenos foi o home office e a falta de suporte com as crianças. Infelizmente, como quase sempre acontece, as mulheres foram as mais prejudicadas. Não pretendo fazer generalizações e em muitos casos isso não acontece, mas na maior parte das vezes, os cuidados com os filhos e os afazeres domésticos ainda são vistos como responsabilidades da mulher. Seja pela visão dos homens ou delas próprias. Aqui vou entrar em uma reflexão que não diz respeito só à pandemia, mas que se evidenciou muito nesse período. Atendi muitas mulheres, absolutamente esgotadas, sentindo-se incapazes e incompetentes por não darem conta de tudo. Como brincar com os filhos, cuidar da alimentação, da limpeza e organização da casa, providenciar o que faltava, pagar contas, acompanhar as aulas online, lições de casa, do próprio trabalho, reuniões e de toda a mudança que as havia arremessado em um mar de tarefas infinitas?


Para muitas foi uma oportunidade de rever as próprias crenças e as lentes que usavam para olharem a si mesmas e ao mundo, realinhando exigências e expectativas.


Por outro lado, pessoas que moravam sozinhas passaram a se sentir solitárias, ainda que, antes da pandemia, estivessem confortáveis com essa condição. Além da privação social, o isolamento afetivo pode ser devastador.

Créditos: Manjiri - Pinterest

É certo que um dos alimentos mais importantes para a alma são as trocas afetivas. Contatos físicos, abraços, beijos, proximidade, olho no olho, o toque carinhoso.


A ausência de dois anos dessa vivência trouxe consequências sérias para a grande maioria das pessoas, inclusive o aparecimento de sintomas depressivos, ansiosos e profundos sentimentos de solidão e desamparo.


Os solteiros e solteiras, de uma forma geral, sofreram com a falta de perspectiva de conhecer alguém com quem pudessem vir a ter um relacionamento afetivo. E, um dos desdobramentos disso, para uma parte das mulheres, foi a preocupação com seu relógio biológico, em função do desejo de ter filhos e a ameaça de não ter tempo suficiente para encontrar um parceiro, conhecer, construir e aprofundar uma relação, para, então, engravidar.


Outro grupo que me parece motivo de preocupação são os adolescentes e jovens. Sabemos que uma das etapas da formação de nossa identidade passa pelo grupo, na verdade, pela sensação de pertencimento a um grupo. Há uma necessidade de convivência social, de se descobrir no mundo, de viver novas experiências. Isso começa na adolescência e é uma vivência fundamental para o reconhecimento de quem somos, do espelhamento e desenvolvimento de nossas características, potenciais, sentimentos e ações. É nessa fase que acontecem os primeiros amores, a descoberta da sexualidade, os primeiros questionamentos existenciais, a vida fora dos domínios parentais, a vida acadêmica. Isso tudo, de certa forma, lhes foi roubado pela pandemia e o confinamento. Como será daqui para frente, então? Não sabemos…


Assim como não sabemos como serão as crianças que perderam seus pais para o coronavírus. Uma geração de crianças órfãs. Sem o pai, a mãe ou ambos. Muitas estão em processos terapêuticos, mesmo as pequeninas, tentando elaborar, minim


amente, o que é tudo isso que fez suas vidinhas começarem ou mudarem tão abruptamente, mas outras tantas não têm o mínimo acesso a acompanhamentos de nenhum tipo.

Créditos: Vicki Davidson - Pinterest

O que sabemos é que conhecemos um nível de sofrimento intenso e diferente. Inclusive no sentido de que todos compartilhamos as mesmas dores, as mesmas estranhezas, ainda que em realidades diferentes.


Observei um sentimento comum em diversos pacientes e pessoas do meu convívio, quando alguém importante afetivamente estava hospitalizado com Covid-19, e não eram permitidos acompanhantes e visitas: a culpa.


Diante da impossibilidade de estar ao lado, cuidar, acompanhar o que está acontecendo e garantir um ambiente de segurança e afeto ao ente querido, muitas fantasias sobre como o doente estava se sentindo (abandonado, em sua maioria) e sendo tratado, vinham à tona. A distância e a sensação de impotência são extremamente desestruturantes, sobretudo quando a morte ocorre. E aí temos um outro momento de muita dor: a impossibilidade da despedida.


Os rituais fúnebres são muito importantes e têm uma razão de ser. Têm a função de ajudar a concretizar a morte, de permitir despedidas, da família receber apoio, carinho, ouvir histórias e lembranças deixadas em cada um que conviveu com aquela pessoa. É como se fosse dado um lugar onde aquele sofrimento pudesse ser expressado, acolhido e compartilhado. Ajuda a encerrar o ciclo e iniciar a elaboração do luto. Sem esses ritos de passagem, o que fica é uma ausência, um esvaziamento, onde o fim parece não se concretizar. Especialmente pela forma como lidamos com a morte.

Créditos: wattpad - Pinterest

Em nossa cultura tendemos a não entrar em contato com a nossa própria finitude, nem a das pessoas que amamos. A morte não é um tema que faz parte de nossas vidas, o que a torna ainda mais difícil de aceitar.


O luto é um processo que tem várias etapas, e se inicia nos rituais de despedida. Com o impeditivo desse primeiro momento, a elaboração do luto na pandemia tem sido mais difícil. Em muitos casos foi preciso criar novos ritos de passagem, que simbolizassem a despedida e dessem um lugar para a morte.


Finalmente, algo comum entre as pessoas, que também pude observar foram os sonhos. Não foi uma pesquisa, mas apenas um exercício de observação.


Os sonhos refletiam o estado em que as pessoas se encontravam e como estavam se relacionando com a vida e com si mesmos naquele momento.


No início da pandemia, eram relatados sonhos com temas como tsunamis, enchentes, invasões. O medo, tentativas de fuga, de busca de lugares protegidos eram recorrentes.


Logo depois, aglomerações e máscaras foram muito presentes. As pessoas, ou o próprio sonhador, apareciam sem máscara, esqueciam de colocá-la ao sair ou perdiam pelo caminho. Muitas relataram que acordavam em pânico ao se perceber sem máscara nos sonhos.


Flores e pessoas mortas, casas muito desorganizadas e abandonadas, lugares escuros, tentativas de se comunicar com as pessoas e não conseguir, sonhos penumbrados, também foram temas no auge da pandemia. Indicavam estados depressivos, falta de vitalidade, medo, insegurança e confusão.

Créditos - Stylist - Pinterest

Atualmente tenho notado que os sonhos começam a ser mais leves e com elementos mais próximos do viver. Cenas relacionadas a nascimentos, crianças, encontros, grupos, praias, jardins, viagens, avião, cenários externos, aparecem com uma certa frequência.


A depressão, a ansiedade e episódios de pânico levaram muitas pessoas a buscarem psiquiatras e psicoterapeutas.

É indiscutível que, ao longo desse tempo, evidenciou-se a importância da saúde mental, do autoconhecimento, do contato com nossos sentimentos e emoções. Da necessidade de repensar nossos valores, nossas ações, reações, a forma como nos relacionamos conosco e com o outro. A importância da reflexão e da valorização do que realmente importa!

Créditos: rawpixel - Pinterest

A pandemia segue confrontando nossas ilusões de onipotência, nos fazendo pensar, e constatar que, na vida, não há controle sobre todas as coisas. Que, assim como Aquiles, também temos nossos pontos de vulnerabilidade e que nós, seres humanos, podemos muito, mas não podemos tudo.


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